A PÍLULA DO DIA SEGUINTE: CONTRACEPÇÃO OU ABORTO?

terça-feira, 10 de agosto de 2010


Ao chamar a atenção para as raízes comuns da contracepção e do aborto «como frutos da mesma planta», João Paulo II salienta o modo como esta «conexão» não existe somente no plano cultural, mas também a nível técnico: «a estreita conexão que existe, a nível de mentalidade, entre as práticas da contracepção e do aborto, como demonstra de modo alarmante a produção de fármacos, dispositivos intra-uterinos e preservativos, os quais, distribuídos com a mesma facilidade dos contraceptivos, actuam na prática como abortivos nos primeiros dias de desenvolvimento da vida do novo ser humano» (Carta Encíclica, Evangelium Vitae, 13).
Do recente debate sobre a chamada «pílula do dia seguinte» emergiu de modo evidente como é estreita esta «conexão»: trata-se de um elemento abortivo ou contraceptivo?
As respostas, publicadas a este propósito pela imprensa, foram divergentes: «São produtos cuja acção não é abortiva mas anti-implantadora»; «a pílula do dia seguinte pode ser contraceptiva ou abortiva»; «a pílula do dia seguinte é abortiva».
Certamente, tal diversidade de respostas não pode senão criar confusão: é possível - poder-se-ia perguntar - que se exprimam pareceres contrastantes sobre um facto que, ao contrário, deveria ser empiricamente demonstrável?
Com a expressão «pílula do dia seguinte» indica-se um conjunto de preparados à base de estrógenos ou de estroprogestinas ou ainda de progestinas que são subministrados á mulher, não mais de 72 horas depois (daqui a dicção «do dia seguinte») de uma relação sexual que se julga fecundadora. Os estrógenos, estroprogestinas e progestinas são hormónios sintéticos subministrados com a finalidade contraceptiva e/ou abortiva.
Além disso, a «pílula do dia seguinte» é uma modalidade de abordagem da chamada «contracepção de emergência» ou «intercepção», que prevê como alternativa aos mencionados hormónios «a subministração de danazóis ou a inserção de um dispositivo intra-uterino (espiral)».
O mecanismo de acção da «contracepção de emergência», e portanto também da «pílula do dia seguinte», é abortivo: na maioria dos casos, de 80% (estroprogestinas ou progestinas) a 100% (estroprogestinas, danazóis e dispositivo intra-uterino), é impedida a implantação do embrião no endométrio uterino, a seguir à alteração do seu desenvolvimento fisiológico, e/ou bloqueada a actividade do corpo lúteo, que produz o progesterona, hormónio fundamental para a continuação da gravidez.
Não se pode excluir que, se a estroprogestina ou a progestina for subministrada quando a ovulação ainda não se verificou, possa ser inibida a libertação da célula-ovo com um efeito propriamente contraceptivo, que se verifica em 0-20% dos casos.
Então, como é possível afirmar que a «pílula do dia seguinte» - e toda a «contracepção de emergência» - não é abortiva? Ou ainda, que é apenas anti-implantadora?
Com efeito, quem afirma que a «pílula do dia seguinte» não é abortiva, mas anti-implantadora, não percebe que está a asseverar o seu carácter abortivo no mesmo momento em que afirma o seu efeito anti-implantador, porque este mecanismo de acção, não podendo manifestar-se senão depois da fecundação e impedindo ao embrião a continuação do seu desenvolvimento, só pode ser abortivo.
Isto é tão verdadeiro que para poder negar a acção abortiva, quem a propõe tem que modificar também as «características» da gravidez, pondo em discussão inúmeros anos de certezas científicas, com base nas quais sempre se definiu como «gravidez» o período compreendido entre a fecundação e o parto, e passou-se a afirmar que a gravidez só teria início depois da implantação do embrião na parte uterina, portanto não antes do 6º dia, como limite mínimo, ou não antes do 14º dia, como limite máximo. Portanto, um produto que impede a implantação não estabeleceria um limite à gravidez e não seria abortivo!
Sem dúvida, há pessoas que vacilam diante desta nova definição de gravidez e - para não ousar muito - se limitam a falar de semelhança entre a acção anti-implantadora e a acção abortiva: mas em todo o caso é evidente que esta manipulação semântica tem uma finalidade muito específica. Desta forma - lê-se em The New England Journal of Medicine - é possível «manipular a opinião pública a fim de que aceite a «contracepção de emergência» (NEJM [1993] 328/5, pp. 354-355).
Quem afirma que a anti-implantação não é abortiva é desmentido entre outros também por E. Beaulieu que, enquanto descobridor da pílula RU486, também conhecida como «pílula para abortar», não pode absolutamente ser acusado de posições de tipo confessional: «A interrupção da gravidez depois da fecundação pode ser considerada como um aborto» (Il punto sullRU486, JAMA - ed. italiana [1990], 2, pág. 12). Por conseguinte, um produto com acção anti-implantadora é abortivo.
Além disso há pessoas que, embora reconheçam que a «pílula do dia seguinte» é abortiva, evidenciam o facto de que poderiam ser, até 20% dos casos, também contraceptiva: e isto, exclusivamente no caso em que fosse subministrada antes da libertação da célula-ovo do ovário. Mas é porventura verosímil que uma mulher, que por vários motivos faz recurso à «pílula do dia seguinte», conheça exactamente em que fase do ciclo se encontra, a fim de poder prever se se verificará o efeito abortivo ou o contraceptivo? [...] Não só: embora seja verdade que a mulher que assume a «pílula do dia seguinte» pode não ter iniciado uma gravidez, ou que o efeito abortivo não se verificará, a mulher que a pede e o médico que a prescreve ou a subministra aceitam de bom grado o risco de provocar um aborto.
Caso contrário, teriam optado precisamente pelo aborto, se se verificasse uma gravidez. Por outras palavras: está-se diante de uma vida (ou - mas não o podemos prever - perante uma possibilidade de vida), que de qualquer forma não se aceita, a ponto de se estar disposto a correr, de 80% a, 100%, dos casos, o risco de a suprimir.
No recente debate em particular sobre a «píIula do dia seguinte», e em geral sobre a «contracepção de emergência», chamou-se a atenção somente para uma situação com que nestes dias muitas pessoas desesperadas se estão a confrontar: a violência contra as mulheres em períodos de guerra.
Todavia, é preciso estar alerta: as campanhas a favor da «pílula do dia seguinte» não dizem respeito apenas a áreas de guerra, e esta não tem em vista exclusivamente as mulheres que sofreram violência.
Se considerarmos aquilo que aconteceu nestes últimos anos, podemos dar-nos conta de alguns eventos talvez pouco conhecidos, porque não tocam tão profundamente as «cordas» da emoção humana como no caso da violência sexual e, poder-se-ia dizer, fazem parte de uma vivência quotidiana com a qual já estamos acostumados.
Basta pensar que além dos multíplices pedidos de que toda a «contracepção de emergência» seja distribuída nas farmácias como produto de banco, isto é, sem a necessidade de uma prescrição médica, e que seja amplamente disponível em todos os organismos de assistência médica às mulheres e em particular às adolescentes, existem também planos de intervenção que prevêem o envio continuo e programado da «contracepção de emergência» tanto aos países em vias de desenvolvimento como às regiões de acolhimento dos refugiados. [...]
De maneira coerciva ou de forma dissimulada, iludindo as mulheres de que escolhem livremente, mas na realidade violando a sua pessoal liberdade de opção, existem portanto pessoas que trabalham contra a vida humana, contra a dignidade da mulher e contra os direitos da pessoa.
Efectivamente, respeita-se porventura a mulher quando se faz com que ela acredite que ao recorrer à «pílula do dia seguinte» não causará a morte da sua criança? Não se trata, ao contrário, de dar inicio a outra forma de escravidão, ligada á ignorância não tanto de quem não teria a possibilidade ou a capacidade de conhecer, quanto de quem foi deliberadamente mantido longe da verdade? Respeita-se acaso o direito da adolescente a ser educada, a conhecer-se a si mesma, a assumir a capacidade de se fazer respeitar, reduzindo toda a assistência à prescrição e à subministração da «pílula do dia seguinte»?
O direito a ser educada: sim, porque também neste caso a educação é a única forma de prevenção. E para prevenir a difusão da «contracepção de emergência» é necessário ajudar a mulher - e também o homem - a compreender o valor de cada vida nova chamada à existência, a redescobrir o verdadeiro significado e o valor da sexualidade, a entender o significado da paternidade e da maternidade responsáveis.
Este é o único caminho a percorrer, e decerto não o da propaganda ou da distribuição de contraceptivos.
De facto, não se pode combater o aborto com a contracepção. Isto, porque quem busca a prevenção da gravidez com a contracepção de barreira ou hormonal - de resto, não se pode excluir para esta um mecanismo de acção também abortivo - em caso de insucesso terminará por pedir o aborto.
Outro objectivo das campanhas de difusão da «pílula do dia seguinte» é, como já se disse, a mulher vítima da violência sexual. Houve quem escreveu que, neste caso, a concepção foi o resultado de um acto de violência, ou seja, aquilo que de mais cruel, perverso e execrável (considerando que estes adjectivos possam exprimir plenamente a brutalidade e a desumanidade de tal acto), a mulher possa sofrer: não aceitar a eliminação desta vida - diz-se - significaria pecar contra a sensibilidade!
Considerando que a própria ideia de eliminar uma vida, mesmo recém-concebida, é em si mesma uma expressão de grande insensibilidade, quereríamos deter-nos e reflectir sobre dois interrogativos.
O primeiro: acreditam porventura que são insensíveis ao drama humano da guerra e da violência quantos têm como única preocupação, diante da necessidade de tudo (de uma casa, de alimento, de água, de roupas, de conforto, de identidade), enviar aos campos equipamentos para a emergência reprodutiva (da «pílula do dia seguinte» às progestinas injectáveis, etc.)? Ou aqueles que pensam em resolver o trauma da violência padecida pela mulher, eliminando o «vestígio» de tal violência?
O segundo: a vida humana tem acaso urna qualidade diversa, em conformidade com a circunstância em que foi concebida?
É um dado de facto que os resultados da violência jamais se cancelam da memória da mulher: por outro lado, como poderá uma mulher esquecer que alguém a tratou como um objecto, que alguém se enfureceu contra ela com urna brutalidade que não é própria nem dos animais? Mas esta memória não se cancelará nem sequer com o aborto: quem o propõe, quem o impõe e quem o pede, torna-se protagonista de uma violência na violência, não só em relação à mulher mas sobretudo em relação àquela criança, cuja vida deve ser respeitada, como a de qualquer concebido.
No aborto, «a pessoa eliminada - escreve João Paulo II no n. 58 da Encíclica Evangelium Vitae - é um ser humano que começa a desabrochar para a vida, isto é, o que de mais inocente, em absoluto, se possa imaginar: nunca poderia ser considerado um agressor, menos ainda um injusto agressor!
É frágil, inerme, e em tal medida que o deixa privado inclusive daquela forma mínima de defesa constituída pela força suplicante dos gemidos e do choro do recém-nascido. Está totalmente entregue à protecção e aos cuidados daquela que o traz no seio».
Então, pensar em eliminar esta vida constitui um ulterior acto de violência. Para a mulher poderá ser igualmente difícil aceitar esta criança que está a crescer no seu seio, filho também de quem não teve nenhuma piedade por ela: é necessário ajudá-la, apoiá-la, cuidar dela e do seu filho. Ela tem necessidade de afecto, não de uma caixa de pílulas!
Quando o filho nascer, a mulher poderá decidir se o conservar ou abandonar a fim de que outras pessoas cuidem dele. Porém, com uma grande certeza: aquela de não ter contribuído para a loucura da destruição e da morte, que num instante desejou cancelar a sua dignidade de mulher, o seu mundo, as suas aspirações e as suas esperanças.
Em tais casos, a verdadeira compreensão que se deve ter em relação à mulher exige uma ajuda concreta em beneficio da sua pessoa e da vida do seu filho.
Prof.a Maria Luisa DI PIETRO
Instituto de Bioética da Universidade Católica, Roma (Itália)

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Salve Maria!

Que o Espírito Santo conduza suas palavras. E que Deus nos abençoe sempre.

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***Para maiores esclarecimentos: não sou adepta deste falso ecumenismo, não sou relativista, não sou sincretista, não tenho a mínima vontade de divulgar heresias; minha intenção não será outra a não ser combater tudo que cito acima!

Por fim, penso que esclarecidas as partes, que sejam bem vindos todos que vierem acrescentar algo mais neste pequeno sítio.